Resumo: Socialistas, comunistas e anarquistas compartilham uma origem doutrinal comum. Permanecem unidos diferenciando-se apenas nos métodos de ação - na aspiração de uma mesma meta final, radicalmente igualitária e libertária; e por isso, no Ocidente, é possível ver, incontáveis vezes, esses grupos formando frentes de ação comum, e até coalizões governamentais para desenvolver determinadas etapas do processo revolucionário. |
Extraído do livro:
"España, Anestesiada sin percibirlo, amordazada sin quererlo, extraviada sin saberlo
- La obra del PSOE Comisión de Estudios de TFP-COVADONGA, 1988"
"España, Anestesiada sin percibirlo, amordazada sin quererlo, extraviada sin saberlo
- La obra del PSOE Comisión de Estudios de TFP-COVADONGA, 1988"
Os antecedentes ideológicos do socialismo se remotam, para não ir muito longe, à Revolução Francesa. Na medida em que esta foi se radicalizando e se aproximando de seu auge, surgiram em seu seio setores extremistas. A Revolução adquiriu asssim, durante o Terror, efêmeros, mas nítidos, aspectos comunistas. Os revolucionários radicais interpertaram o lema liberdade, igualdade, fraternidade até suas últimas consequências. Ou seja, não era só necessário eliminar aos reis e à nobreza, senão também os proprietários rurais, reis nos campos, nas empresas e no comércio, e aos pais de famílias, reis do lar. O mais característico representante destes setores foi Babeuf. [1]
Naturalmente, a prematura revolução dentro da Revolução do extremista Babeuf fracassou, mas a bandeira revolucionária por ele levantada seria de um ou outro modo retomada ao longo do século XIX pelas chamadas correntes do socialismo utópico [2]. Estas atuaram nos tumultos revolucionários que sacudiram a Europa em 1848, e especialmente na sublevação da Comuna de París de 1871.
Se foi definindo assim o ideal utópico revolucionário, segundo o qual na sociedade devem ser abolidas a propriedade privada e as diferenças entre as classes sociais. Se eliminará então toda forma de superioridade entre os homens, desaparecendo inclusive a distinção entre governantes e governados. Neste novo estado de coisas a liberdade será absoluta, porque serão suprimidas a lei moral e as leis coercitivas que regem a sociedade civil. Se estabelecerá o amor livre. Desaparecerão por inúteis a polícia, o Governo, o Estado e, por suposto, a Religião e a Igreja. O homem se libertará, por fim, da Lei Natural impresa pelo Criador no mais íntimo de sua alma. O impossível se tornará realizável: a anarquia, no sentido etimológico da palavra (an, em grego privado de, e arché, governo) não resultará no caos. Daí as descrições românticas que muitos autores fazem do modo da vida tribal, ao pintá-la com as aparências mais belas possíveis.
Friederich Engels descreveu com estas palavras a sociedade tribal dos índios iroqueses: "Admirável constituição dessas pessoas, em toda a sua juventude e com toda sua simplicidade! Sem soldados (polícia, nobreza, reis, governadores, prefeitos, juízes) sem prisioneiros nem processos, tudo anda com regularidade. Todas as querelas e todos os conflitos são resolvidos pela coletividade a quem concernem, a pessoa ou a tribo, ou as diversas pessoas entre elas. (...) Não faz falta nosso estorvo de aparato administrativo, tão vasto e tão complicado. (...) economia doméstica é comum para um série de famílias e é comunista; o solo é propriedade da tribo e, só a princípio, tem as casas pequenas hortas. (...) Todos são iguais e livres".
Com base nesta descrição, explica em seguita a etapa final da revolução comunista: "Assim, pois, o Estado não existe desde toda a eternidade. Houve sociedades que se passaram sem ele, que não tiveram nenhuma noção de Estado e da autoridade do Estado. Em certo grau de desenvolvimento econômico, necessariamente unido a separação da sociedade em classes, esta divisão fez do Estado um necessidade. Agora nos aproximamos, a passo de gigante, a um grau de desenvolvimento da produção em que, não só deixou de ser uma necessidade a existência destas classes, senão que chegou a ser um obstáculo positivo para a produção. As classes desapareceram tão fatalmente como surguiram. (Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado). A sociedade que organizará de novo a produção sob as bases de uma associação livre e igualitária de produtores, transportará toda a máquina do Estado para onde, desde então, o corresponde ter seu posto: o museu de antiguidades".(Cfr. Frederich ENGELS, Origem da Família - A propriedade e o Estado, pp. 122, 216-217). [3]
Com a entrada em cena de Carl Marx, auxiliado por Engels, as correntes revolucionárias encontraram nas teorias de ambos uma sistematização filosófica e um método de análises para iniciar um processo que levasse a utopia à prática. Foi o chamado socialismo científico ou comunismo. Nasceu daí o movimento internacional para realizar a revolução socialista. De seu seio saíram os líderes do partido bolchevique russo que, com Lenin na diantera, fizeram a revolução que transformaria a Rússia, a partir de 1917, na Meca do socialismo mundial.
Em 1919 este movimento marxista teve sua primeira grande divisão. Os que aderiram a tese da tomada de poder por violência, proposta por Lenin, se aglutinaram na Internacional Comunista, fundada pouco antes pelo lider russo. Aqueles que consideravam que no ocidente não seria possível tomar o poder e derrubar a ordem capitalista vigente com a rapidez e a violência da revolução bolchevique, passaram a se chamar socialistas. Se definia assim a Internacional Socialista, distinta da Internacional Comunista dirigida por Lenin. Anos mais tarde, o dirigente soviétido Trotsky daria origem a uma terceira facção dentro do marxismo: foi a corrente anarco-bolchevique, que acusava a Stalin de caminhar muito lentamente para a realização da meta comunista, isto é, a utopia revolucionária. Meta que também é o objetivo das correntes anarquistas propriamente ditas, ou libertárias.
Socialistas, comunistas e anarquistas compartilham uma origem doutrinal comum. Permanecem unidos - diferenciando-se apenas nos métodos de ação - na aspiração de uma mesma meta final, radicalmente igualitária e libertária; e por isso no Ocidente é possível ver, incontáveis vezes, esses grupos formando frentes de ação comum, e até coalizões governamentais para desenvolver determinadas etapas do processo revolucionário.
Sobre o fato histórico desta unidade nas metas, ver, por exemplo, o que diz um porta-voz dos grupos anarquista congregados na CNT - Confederação Nacional do Trabalho, fundado na Espanha por anarco-sindicalistas - : "Por qual tipo de sociedade lutamos? Por uma sociedade sem classes, igualitária, onde necessáriamente os meios de produção estarão socializados (não estatizados), autogestionados pelos próprios trabalhadores (...). A isto é o que chamamos comunismo libertário: uma sociedade autogestionada federal e igualitária".
Na mesma declaração, acrescenta mais adiante: "Não pensamos que haja muitas diferenças entre a concepção da sociedade final a que aspiramos socialistas, comunistas e libertários. Haveriam diferenças nos meios e nas etapas precedentes" (Cfr. Sergio FANJUL, Modelos de transición ao socialismo, pp. 131-132 e 136).
Artigo relacionado: Conexão entre Liberalismo e Igualitarismo na utopia marxista
Fontes:
[1] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Revolução e Contra-Revolução, pp. 44-41; ver também sobre a relação entre a Revolução Francesa, o movimento de Babeuf e a revolução comunista, Manifesto de fundação da III Internacional in Günter BARTSCH, Kommunismus, p. 80; Friederuch ENGELS, Do socialimo utópico ao comunismo científico, pp. 31-32)
[2] Sobre as relações entre as doutrinas inspiradoras da Revolução Francesa, o movimento de Babeuf e o socialismo utópico do século XIX, ver Julius BRAUNTHAL, Geschichte der internationale, t. I, pp. 45 a 51; Elie HALEVY, Histoire du socialisme européen, pp. 80 a 92. Ademais há um estudo sobre as relações entre a Revolução Francesa e o movimento socialista em Carl MARX e Friederich Engels, Utopisme & communauté de l´avenir, especialmente nas pp. 6 a 8 e 149-150. A esse proprósito, afirma Engels: "O socialismo científico alemão não esqueceu jamais que se edificou sobre os ombros de Saint-Simon, de Fourier e d´Owen"(op. cit., p. 8) Há ainda mais dados esclarecedores sobre as relações entre a Revolução Francesa e o movimento socialista no livro de Filipo Buonarrotti (1761-1837), companheiro de Babeuf na Conspiração dos iguais, de 1796, Histoire de la Conpiration pour l´Égalité, dite de Babeuf , Bruselas, 1828, apud LEHNING, De Buonarrotti a Bakounine, pp. 45-98, e HALEVY, Histoire du socialisme européen, p. 81
[3] Esta tradução, feita pela Academia de Ciências da URSS, retirou ou omitiu em certos trechos o texto de Engels por razões políticas. Entre parenteses temos posto as frases omitidas que figuram em outras traduções.