Frase

"A Revolução Francesa começou com a declaração dos direitos do homem, e só terminará com a declaração dos direitos de Deus." (de Bonald).
São Paulo, sábado, 5 de agosto de 2006

Zoo

Autor: Edson   |   11:38   Seja o primeiro a comentar

O artigo abaixo foi achado na internet, data de 2002, mas o tema é atual e demonstra meu ponto de vista. Gostaria de tê-lo escrito.

Zoo

Diário de Notícias 14.10.2002

A imprensa só pode ser compreendida e interpretada através da aplicação de um teorema fundamental, conhecido como o “Principio do Jardim Zoológico”.

O jornalismo, escrito ou emitido, é composto por dois elementos básicos, o informativo e o editorial. Os dois aspectos são inseparáveis. Ninguém vai a um jardim zoológico para ver moscas, gatos, rãs e caracóis. Um Zôo não é uma quinta e os animais que tem são representativos da fauna nacional. Foram esco-lhidos precisamente por serem alheios a essa fauna. Os seus símbolos são leões e zebras, elefantes, hipopótamos e chipanzés. O interesse do jardim é a apre-sentação de animais de outras realizadas exóticas, originais e inesperadas.

O mesmo se passa nos jornais. Os críticos, articulistas e comentadores da imprensa não são, de forma nenhuma, representativos da opinião corrente. Pelo contrário, foram escolhidos exatamente por serem exóticos, originais e inesperados. É essa a lógica de concepção do naipe de analistas de uma publi-cação. O fato não tem em si mal nenhum. O mal vem do seu esquecimento, que ge-ra um terrível erro, o de identificar o que se lê nos jornais com o que pensa o País. Pode ser que exista uma “opinião pública”, mas se existe nada tem a ver com os jornais.

Os editoriais e comentários da imprensa não são a opinião pública; são a opinião mais privada que existe. É uma opinião que foi construída para ser di-ferente, especial, interessante e, por isso mesmo, muito pouco pública. Tal como no jardim zoológico, ela não pretende representar a nossa realidade, mas trazer-lhe uma forma e colorido que em geral lhe faltam. Este fato é evidente, por exemplo, ao passarmos os olhos pelas páginas de um jornal nacional como este. Os comentários nunca são escritos por cidadãos comuns, representativos da atitude nacional. Se fosse, os cidadãos comuns não as quereriam ler. São antes pessoas diferentes, especiais, interessantes, por esta ou aquela razão. O que motivou a sua escolha foi mesmo essa falta de representatividade.

A maioria dos colunistas é constituída por pessoas notáveis pelas suas especialidades talentos, ideologias ou corporações. Esses são os leões, ze-bras, elefantes, hipopótamos e chipanzés da cultura. Alem disso temos, como nos jardins zoológicos, casos de aves raras, espécimes únicos que não repre-sentam ninguém senão a si mesmos. Esses são, aliás, as estrelas do jardim, os mais famosos e procurados, opinadores nacionais de referência. São muito in-fluentes mas nada representativos da opinião nacional. E, por fim, também há os animais que estão extintos no estado selvagem e apenas sobrevivem no cati-veiro do jardim.

É o caso, em Portugal, do Bloco de Esquerda, por exemplo, que pulula na nossa imprensa mas que depois, quando se vai a votos, se nota que não repre-senta mais ninguém.

Assim se vê que a opinião publicada é muito diferente da opinião pública é verdade que a imprensa influencia os leitores. Há muitos cães que gostavam de ser leões, burros que se julgam zebras e vacas que queriam ser hipopótamos. Tal como a rã da fábula, é impossível inchar até chegar a ser boi. Ou elefan-te. Este teorema tem vantagem de ajudar compreender fatos que geram grandes confusões e irritações. Muitos são os grupos que se indignam por a sua opinião estar ausente da imprensa. Os católicos, por exemplo, representam a esmagadora maioria da população, mas isso é alheio aos jornais e televisões. A grande maioria dos comentadores desconhece a forma cristã de ver o mundo e muitos são-lhe abertamente hostis. Mesmo no campo informativo, a imprensa quase não dá notícias que interessem à Igreja e, quando dá, era melhor estar calada, de tal forma a reportagem manifesta a sua ignorância. No entanto, a Igreja insti-tui a grande maioria dos seus leitores.

Sinto isso bem porque, enquanto cronista, fui colocado na pequena “jaula dos católicos” da imprensa de referência. Logo após a captura, passei uns anos no fosso dos economistas, um espaço cor-de-salmão vasto e populoso umas pagi-nas adiante. Mas, após uns anos, e sem perder a classificação taxonômica, trouxeram-me para este recanto lateral e pacato do jardim. É uma jaula pequena com grades baixas, dado os animais serem herbívoros e pachorrentos e, sobretu-do, serem muito poucos.

Por que razão a nossa imprensa não representa melhor a opinião maioritá-ria? Mas essa irritação resulta apenas da incompreensão do “Princípio do Jar-dim Zoológico”. O rugido dos comentadores não serve para nos representar, mas para nos distrair. Como no Zôo.

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